terça-feira, 8 de outubro de 2019

O adeus a seu Zé Cabeça, o homem mais velho de Serra do Ramalho




Encantou-se José Marques de Souza (seu Zé Cabeça), o genial contador de histórias de Serra do Ramalho. Havia tempos estava doente e já não se lembrava dos contos que nos narrou, com voz pausada, quase sussurrada, e gestos altamente expressivos. Alguns foram publicados no livro Vozes da Tradição (O Príncipe Dourado, Os Dois Corcundas, O Bicho de Sete Cabeças, Atirei no que Vi e Matei o que Não Vi, As Cento Cinquenta Mentiras) e outros seguem inéditos, incluindo um conto lindíssimo, que funde a história da Filha do Diabo à da Moura Torta.

Seu Zé, que era o homem mais velho de Serra do Ramalho, estava com 111 anos. 

Nosso mais profundo reconhecimento e nosso preito de gratidão a esse mestre da arte de encantar.

Encantou-se José Marques de Souza (seu Zezim Cabeça), o genial contador de histórias de Serra do Ramalho. Havia tempos estava doente e já não se lembrava dos contos que nos narrou, com voz pausada, quase sussurrada, e gestos altamente expressivos. Alguns foram publicados no livro Vozes da Tradição (O Príncipe Dourado, Os Dois Corcundas, O Bicho de Sete Cabeças, Atirei no que Vi e Matei o que Não Vi, As Cento Cinquenta Mentiras) e outros seguem inéditos, incluindo um conto lindíssimo, que funde a história da Filha do Diabo à da Moura Torta.


Nosso mais profundo reconhecimento e nosso preito de gratidão a esse mestre da arte de encantar.


Ilustração: Luciano Tasso

Abaixo, em homenagem a seu Zé, reproduzimos sua versão do conto "Atirei no que vi e matei o que não vi":

Um rapaz vivia com a avó, que o criou como filho. O tempo passou e, quando chegou a hora de ele sair para o mundo, a avó não queria deixá-lo ir; mas tanto ele insistiu, decidido que estava, que ela disse preferir vê-lo morto a vê-lo partir. No dia da viagem, a velha lhe preparou um beiju e outras coisas para ele levar.

Ele pegou o caminho acompanhado de sua cachorrinha Pita. Depois de muito andar, sentiu fome e parou para comer. O rapaz tinha a ciência de, antes de comer, dar um pedacinho para a sua cachorrinha. Então, pegou um dos alimentos e deu para Pita. Ela comeu e não teve nada. Ele também se serviu.

Andaram mais um bocado e, quando sentiu fome novamente, o rapaz parou e deu um pedaço do beiju para Pita e a pobre cachorrinha, assim que deu duas mastigadas, caiu dura. O rapaz entendeu que o beiju tinha sido preparado para matá-lo e o guardou. Pegou a cachorrinha nos braços e seguiu viagem.

Mais à frente, encontrou um policial com seu destacamento. O rapaz foi interrogado pelo policial sobre o que levava para comer, pois ele e seus companheiros estavam famintos. O moço disse que levava apenas sua cachorrinha moqueada e um beiju. Então, o policial, bruto que só um cavalo, exigiu logo que lhe entregasse tudo:

— Passa pra cá, pois já nos serve!

Daí a pouco, os sete policiais jaziam estirados. O moço olhou as armas, escolheu a que mais lhe agradou e seguiu viagem.

Adiante, encontrou uma codorna, que logo voou. Ele mirou e atirou, mas, em vez da codorna, acertou uma zabelê. Pegou a zabelê e tratou. Perto tinha um cruzeiro. Com o facão tirou uma lasca de aroeira da cruz, fez dela um espeto, assou a zabelê e comeu.

Depois de muito andar, encontrou um cavalo que estava pastando. Jogou uma coberta no lombo do animal, montou e ganhou o mundo. O cavalo estava tão cansado que o suor corria pelas canelas. Então, ele desapeou, pegou a coberta, torceu, aparou o suor e, para não morrer de sede, bebeu tudo.
A longa viagem o conduziu a um reino, onde soube que a princesa procurava um noivo. O sujeito teria de propor uma charada e, caso ela não soubesse a resposta, seria sua esposa. Mas, até aquele dia, a princesa havia acertado todas as charadas. O rapaz se apresentou e lhe propôs a seguinte adivinha:

— Olha só como é a vida!
Massa matou Pita,
Pita matou sete,
eu escolhi a melhor,
atirei no que vi,
matei o que não vi,
assei no pau santo
e depois comi.
Bebi água serenada,
nem do céu e nem da terra...

A princesa esquentou a cabeça, mas nem chegou perto da resposta. Acabou casando com o esperto rapaz e foram viver felizes.

 [Vozes da Tradição, IMEPH, p. 112-113]

2 comentários:

  1. Essa foi a versão mais perecida com a que a minha mãe contava (ela ouviu do meu avô). Não me lembro muito mais da história, mas na versão da minha mãe dizia assim: com a massa matei a Pita, com a Pita matei os sete, escolhi a melhor, peguei o pior, com palavra santa, assei a lebre e comi, (tem uma parte que esqueci) escavei o chão e achei o melhor. Nessa versão, a Princesa era muda e quando ele cavou o chão, achou um pente de ouro que era da princesa, quando ele fala a charada e tira do bolso o pente, a princesa o reconhece e fala que o pente é dela, o pai havia prometido que aquele que fizesse a princesa falar, se casaria com ela. Muito legal! Grata por partilhar esse conto!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu ouvia do meu avô assim: "da massa matei pita, de pita matei sete, atirei no que vi, matei o que não vi, lasquei o pau de Santo, assei e comi. Bebi água entre o céu e a terra e vi um morto carregando três vivos"

      Excluir