sábado, 11 de junho de 2022

Sobre o conto popular

 

Os três cavalos encantados. Xilogravura de Lucélia Borges

O conto popular, também chamado estória (ou história) de Trancoso, da Carochinha, é uma das mais antigas formas de expressão verbal, contemporâneo dos primeiros grupos humanos, irmão do mito, com o qual se confunde, ainda que este se apoie, segundo Renato Almeida, num “ato de crença, de crença em seu objeto, sem o que perde sua base”. Irmanado ainda à lenda e à fábula, alimento intelectual de todos os povos, de todas as épocas, o conto preserva, quase sempre de forma cifrada, informações sobre hábitos, usos, costumes, provérbios, crenças, estatutos de épocas as mais diversas, abarcando, praticamente, em sua amplitude temática, todos os assuntos relativos à ciência do Folclore; constitui-se, porém, em parte inseparável do todo, “como a mão com relação ao corpo ou a folha com relação à árvore” (PROPP). Difere da lenda e do mito por sua universalidade, e com isso não queremos dizer que todos os contos alcançam todos os cantos, e, sim, que, aonde chegam, recebem melhor acolhida graças à sua poderosa capacidade de adaptação.

Os contos maravilhosos, de magia ou de encantamento conservam elementos temáticos mitológicos, razão pela qual nos parecem tão familiares, assim como em outros tempos, devem ter parecido familiares aos trabalhadores que ergueram as pirâmides de Gizé ou aos guerreiros que, por dez anos, combateram diante das muralhas de Troia. No antigo Egito, por exemplo, em vários fragmentos encontramos motivos ainda correntes em contos da Europa e da Ásia, a exemplo de “O náufrago, cuja datação imprecisa compreende de 2000 a.C. a 1700 a.C. É uma história incompleta, com lacunas, tendo como protagonista um único sobrevivente de um naufrágio no Mar Vermelho, lançado a uma ilha governada por um rei dos espíritos em forma de serpente. Apesar da gentileza com que é tratado, o homem vive com medo, até que, quatro meses depois, é resgatado por um navio. Antes, o rei da ilha lhe conta uma história sobre uma donzela terrestre que vivera no local e perecera com a família do rei.

Como a história da donzela aparece sem desenvolvimento algum, Stith Thompson, estudando os motivos, pergunta: “Trata-se do conto de um ogro e do resgate de uma menina, como no conto popular de hoje?” Outro conto bastante difundido, de época mais recente (entre 1600 a.C. e 1000 a.C.), narra a história de um general egípcio que, fingindo trair o seu exército, promete enviar centenas de presentes à cidade guarnecida por seus inimigos. Os supostos presentes eram sacos ou jarros enormes com os soldados do general que, levados para dentro da cidade, causaram a sua ruína. A burla, que antecipa em alguns séculos o desfecho da Guerra de Troia (the Trojan Horse, motivo K754.1 na tabela de Thompson), reaparece no conto Ali-Babá e os quarenta ladrões das Mil e uma noites.

Trecho da introdução ao livro Contos encantados do Brasil (Aletria), lançado recentemente pela Editora Aletria. Para adquirir a obra, clique AQUI

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