terça-feira, 22 de junho de 2021

O adeus de Jacintinho, mestre da palavra contada

 


Hoje, apogeu do Solstício de Inverno, perdemos Jacinto Farias Guedes, o Jacintinho, o exuberante contador de histórias que conheci em minha infância. Conheci é modo de falar, ou de escrever, já que ele, Jacinto, filho de Gustavo e de Ana, cunhado e primo de tia Lili e, por tabela de meu pai, Valdi, sobrinho de meu bisavô Ramiro, era da nossa família.

Foi ele o narrador das histórias maravilhosas “José e Maria”, “A Serpente Negra”, “O Calanguinho Infante”, “Maria Borralheira” e outras tantas que registrei, entre 2004 e 2005, munido de um caderninho, um gravador e de muita esperança, já que não tinha a mínima ideia de como fazer para transformar em livro o rico material que reunira até ali.

Sua casinha de adobe, rodeada de quiabento, árvore espinhenta muito usada como cerca viva nos rincões do Nordeste, era o cenário perfeito para um narrador como Jacinto. Franzino, tímido, medindo pouco mais de um metro e meio, mãos calosas da lida na roça, celibatário por opção, devoto do Bom Jesus Senhor dos Passos, transfigurava-se quando começava a narrar as histórias “daquele tempo”. Quando fui à sua casa no Brejinho, depois de percorrer a pé mais de seis quilômetros, acompanhado de minha prima Fernanda, ele estava debulhando uma grande quantidade de feijão catador. Ao mesmo tempo, debulhava as histórias, exumando palavras banidas da boca da gente moderna, como “estrafega”, “esparrachou” e “orear”. E nos transportava a lugares encantados, como a cidade do "Rio de Barbela" onde a heroína Flor do Dia, montada na cacunda do vento, foi encontrar o seu amado.

Revi-o semanas depois da recolha, na estrada que leva ao cemitério da Ponta da Serra, durante a Via-Sacra que meu bisavô instituíra décadas atrás. Trajava uma camisa branca, passada a ferro em brasa e engomada e estava com o inseparável chapéu. “Olha, Marco”, disse-me, esquecendo-se da timidez, “passa lá em casa depois pra eu lhe contar a história da Maria Sabidinha”. Reencontrei-o outras vezes, quando estava na Bahia, na feira de Igaporã e na casa de minha prima Lúcia, sua sobrinha e mãe de Fernanda. Embora tenha resumido a história de “Maria Sabida, doce na morte, amarga em vida”, não contou-a na íntegra, como desejava.

Que o Senhor dos Passos possa guiá-lo no mundo espiritual, Jacintinho! E, quem sabe um dia, você me conte “Maria Sabidinha” com todos os detalhes que sua mestria alcançava.

 

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