Luzia Teresa dos Santos nasceu e morreu pobre e, não fosse o
feliz acaso de ser “descoberta” pelos pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Documentação
da Cultura Popular, da Universidade Federal da Paraíba, sob coordenação de
Altimar de Alencar Pimentel (1936-2008), jamais saberíamos de sua existência. Há
discrepâncias sobre a data de seu nascimento. Na carteira de identidade, consta
18 de março de 1911, mas ela, em depoimento a Myrian Gurgel, afirma ter nascido
em 1909.
Tendo de trabalhar desde os oito anos, assumindo, depois da
morte da mãe, a responsabilidade de ajudar seu pai a criar 15 filhos, não teve
propriamente uma infância. Ainda assim, durante os trabalhos coletivos, como
por ocasião das debulhas de feijão e das farinhadas, na zona rural de Guarabira,
no brejo paraibano, ouvia, enlevada, as histórias de trancoso, os contos velhos
de origem vária. A morte do pai durante a revolução de 30 foi um duro baque
para Luzia, pois, na mesma ocasião, sua irmã Antônia havia fugido de casa com
um rapaz de Campina Grande. Casou-se, aos 25 anos, com Luiz, seu “primeiro e
único namorado”, viúvo e pai de quatro filhos, e mudou-se para a capital
paraibana. Foi com ele que aprendeu a maior parte das histórias que viriam a
compor o seu vasto repertório.
O único filho de Luzia, ainda jovem, viajou para São Paulo, a
terra do vai-não-torna, e dele ela não teve mais notícia. Trabalhou muitos anos
como empregada doméstica e, com o apurado, ajudou o marido a construir uma casa
modesta. O terreno não pertencia a eles e o proprietário exigiu a desocupação,
indenizando o casal. Com o dinheiro, construíram uma casa modesta em Bayeux. A
mesma casa na qual ela acolhera um rapaz que, por ocasião da doença, atiraria
fora todos os seus pertences.
Altimar Pimentel, descrevendo-a, dá-nos uma ideia da grande
contadora de histórias que foi Luzia Teresa:
“Impressiona em Luzia Teresa a expressividade do rosto, dos
braços magros e longos, das mãos que se erguiam ou que ela utilizava em
gesticulações tão precisas. A expressão corporal compunha com as variações
vocais, as inflexões apropriadas os momentos mágicos e cativantes em que
narrava. Os gestos desenhavam personagens e situações, evocavam imagens, delineavam
seres e coisas. A velhinha calada, acanhada, tímida, transmudava-se narrando
estórias de príncipes, princesas, fadas; vivia cada personagem e colhia exemplos
locais para melhor visualização da narrativa.”
(Estórias de Luzia Teresa, vol. 1, p. 399. Brasília,
Thesaurus, 1995).
Instada pela professora Myrian Gurgel, que integrava o NUPPO,
a dizer, em entrevista, qual era o seu conto popular favorito, Luzia afirmou
ser O príncipe encantado num pombinho. E reiterou que o príncipe se
desencanta, mas não sofre. Quem sofre é a princesa, verdadeira protagonista da
história que ela, a pedido de Altimar Pimentel, teve de repetir duas vezes. Não
deparei esse conto entre os arrolados por Altimar nos três volumes lançados
pela Thesaurus nem entre os contos inéditos, do quarto e quinto volumes, não lançados,
mas sumarizados no segundo volume da coleção.
A última história de Luzia Teresa, registrada por Myrian e
Altimar, foi A menina do cabelo de ouro, narrada no hospital Padre Zé, no
dia 26 de janeiro de 1983. Durante o período de internação, que se estendeu até
31 de maio de 1983, ela entreteve os enfermos com o seu dom maravilhoso. Por incrível que pareça, minha avó paterna, que também tinha prenome de Luzia, mas era baiana, e grande contadora de histórias, morreu no mesmo ano, quase no mesmo mês e com a mesma idade de sua "irmã" paraibana.
A mais conhecida coletânea de contos populares, Os contos
infantis e domésticos dos Irmãos Grimm, trazia, na sétima e última edição
em vida dos autores, de 1957, 200 histórias, entre contos e lendas. De Luzia
Teresa, sozinha, foram registrados 242 contos populares, a maior parte
pertencente ao rol dos contos maravilhosos, sendo a informante, sem dúvida, a
maior das maravilhas.
Um acervo maravilhoso, uma descoberta de grande valia.
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