terça-feira, 6 de dezembro de 2022

O Velho Chagado, um edificante conto popular brasileiro

Xilogravura de Lucélia Borges.

Quando Nosso Senhor andava pelo mundo, era sempre em estado de penitente, todo chagado, para ninguém o reconhecer. Uma vez, disfarçado num velhinho, ele chegou a uma casa onde morava um casal. A mulher, que era muito jeitosa, vendo o pobre velho com a barriga quase pregada no espinhaço, apontou-lhe uma cadeira:

— Sente-se aqui, meu velho, que logo eu trarei sua esmola.

Depois disso, trouxe um algodão, embebido em água com sal, e enxugou-lhe as chagas.

Ele agradeceu-lhe e disse que precisava ir, mas a mulher, vendo o seu estado de penúria, não deixou:

— O senhor só vai quando almoçar — e apontou-lhe a única rede que tinha. — Deite-se aqui para descansar, enquanto faço o almoço.

— Não, minha filha! Minhas chagas mancharão sua rede.

— Não tem problema. É por isso que tem água e sabão no mundo!

E foi no quintal, pegou a única galinha que havia, matou e preparou-a para o almoço. Nessa hora, o seu marido chegou da roça, perguntando:

— Quem é aquele velho deitado na nossa rede?

— Um pobrezinho que chegou aqui com muita fome. Pediu água e eu o convidei para o almoço.

— E fez muito bem! — disse o marido, indo em seguida chamar o velho para almoçar.

Quando o pobre velho se levantou, as marcas de seu corpo ficaram impressas na rede: seus braços abertos, suas costas, seus pés. O homem desarmou a rede, enrolou-a e a encostou num canto. Depois do almoço, o mendigo agradeceu e foi-se embora. E o dono da casa botou a enxada nos ombros e voltou para a roça.

Às cinco da tarde, quando retornou, entrando na sala, ele sentiu aquele aroma de jasmim. Um cheiro agradável como nunca havia sentido.

— Mulher, que perfume você usou nesta sala?

— Nenhum!

Ele foi onde estava a rede, desenrolou-a e ela estava mais alva do que antes. Perceberam, os dois, que aquele velhinho era Nosso Senhor. O homem ainda selou o cavalo e saiu à sua procura, mas nem sinal.

Daquele dia em diante, aquela casa ficou abençoada e não faltou mais nada ao bondoso casal.

Mestre Aldenir. Crédito: Mapa Cultural do Ceará

Narrado por: José Aldenir Aguiar (Mestre Aldenir do Reisado), Crato, Ceará.

Conto religioso recolhido por Marco Haurélio e publicado no livro Contos Encantados do Brasil, Aletria, 2022. 

Para adquirir o livro, clique aqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário