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terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Diabo e o andarilho

Gravura de Severino Ramos

Quem esteve no lançamento do livro Contos e fábulas do Brasil se encantou com a presença de Guilherme Pereira da Silva, de Serra do Ramalho, Bahia. Narrador de algumas histórias registradas no livro, “seu” Guilherme apresentou, para o público, o conto O Diabo e o Andarilho, que integra o rol dos contos maravilhosos. O conto, no qual o diabo figura como auxiliar mágico, está reproduzido abaixo:

No tempo em que todo país era governado por um rei, viveu um velho muito rico que tinha um único filho. E esse rapaz, de uma hora para outra, achou de sair pelo mundo, para conhecer novas terras. O pai tentou fazê-lo desistir da ideia, mas... qual! Ele estava resolvido! O velho, então, pegou duas bulocas de dinheiro, mandou preparar um burro, entregou tudo ao fi lho e se despediu dele, abençoando-o. O moço colocou viagem. Andou, andou, sempre parando no local onde havia uma igreja velha para reformá-la.

 Depois de muito andar, avistou uma capela velha, caindo aos pedaços. Pagou uns homens para reformá-la. Eles fi zeram conforme o combinado, mas deixaram de pintar uma imagem do Diabo num quadro. Ele fez questão de que os homens cuidassem de tudo e a imagem foi restaurada. O rapaz, satisfeito, prosseguiu a viagem, indo parar num reino distante. Lá, pediu arrancho a uma velha. Ela o recebeu, pois viu que ele era endinheirado. O rapaz, então, perguntou-lhe:

 — Minha velha, nesse reino eu vi uma igreja precisando de reparo. Será que eu posso pagar uma reforma?

 — Não, senhor! Essa igreja é do rei, e tem que pedir autorização — foi o que a velha disse, e pensou: “Ele deve ter muito dinheiro mesmo”.

 Assim que se viu sozinha, ela achou de curiar as coisas do andarilho, e viu as bulocas de dinheiro. Aí cresceu o olho, foi até o rei e delatou o rapaz como ladrão. A lei do lugar mandava para a forca quem fosse acusado de roubo. O rei mandou prender o estrangeiro e, com oito dias, ele subiria à forca.

 No dia em que o moço ia ser executado, ajuntou-se muita gente em frente ao palácio. A velha estava assistindo à cena, quando veio uma coisa estranha, agarrou-a e desapareceu com ela. O povo ficou apavorado e o rei, mais ainda. Todos perceberam, naquela hora, que o moço era inocente, e o rei mandou que o soltassem imediatamente.

 Ele pôs viagem novamente. A caminho de casa, avistou um braço de mar, impossível de ser atravessado a nado. Além do mais, o mar era cheio de feras. De repente, chegou um  freguês, não se sabe de onde, e se ofereceu para atravessá-lo:

— Suba em minhas costas, que eu lhe atravesso.

 Fazer o quê?! Ele precisava chegar ao outro lado, e subiu nas costas do estranho, que começou a nadar com muita rapidez. Chegando ao meio do mar, no lugar mais perigoso, o freguês perguntou-lhe:

 — Você acredita mesmo em quem: em Deus ou no Diabo?

 O rapaz, de pronto, respondeu:

 — Nos dois!

 Aí o estranho continuou nadando e o deixou, são e salvo, do outro lado. O moço lembrou-se da igreja que mandara reformar e compreendeu quem o havia ajudado.

Guilherme Pereira da Silva narra o conto O Diabo e o andarilho

Nota: O Diabo como auxiliar mágico, ou como protetor, é um tema aparentemente incomum na contística popular. Tradicionalmente católica, a população interiorana repele o tinhoso, evitando invocá-lo involuntariamente, pronunciando-lhe o nome. Daí a opção por um sinônimo ou apelido.  Nome numen. Entretanto, nalgumas histórias, a exemplo de O Diabo e o andarilho deste volume, o “adversário” aparece como benfeitor, contrariando a crença estabelecida. Diz o adagiário: Deus é bom, mas o Diabo não é ruim; o Diabo não é tão feio como se pinta. Sílvio Romero apresenta-nos dois contos do Helpful Devil: A proteção do diabo (24) e Os três irmãos (33). No primeiro, mais próximo do nosso, deparamos o tema da profecia evitada: o príncipe que trouxe a sorte de morrer enforcado (este é, precisamente, o título de um antigo romance de cordel de autoria de Joaquim Luiz Sobrinho). No segundo, o Diabo recompensa um fi lho amaldiçoado pelo pai, livrando-o da forca à qual foi condenado após uma falsa acusação. No nosso exemplar, há elementos do conto nº 24 de Romero e um acréscimo que revela a identidade do protetor mágico do andarilho.  A versão dos Grimm é Os três empregados (Die drei Handwerksburschen), com os protagonistas unidos por um pacto de riqueza no qual suas almas não foram negociadas com o Diabo. Creio ser este Diabo benfeitor uma sobrevivência de antigas deidades ora benfazejas, ora malévolas, pondo-se a serviço dos que lhes prestavam cultos. No mesmo rol estão os gênios do folclore dos povos árabes (os djins), conhecidos em todo o mundo graças ao livro das Mil e uma noites.

Nota de Paulo Correia:
Classificação: AT 506** (O Diabo agradecido)
Versões: 1 portuguesa; 5 brasileiras
Ecotipo da Lituânia (segundo Aarne-Thompson 1961). Este conto raro baseia-se no motivo N 848.1 (O herói restaura a imagem de um santo e mais tarde é ajudado por este). A presente versão não surge muito contaminada, mas as outras versões brasileiras parecem participar de outros tipos como o anterior AT 506* (A profecia evitada).

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Lançamento na Vila



Sábado, 20 de agosto, na Livraria da Vila, foi o dia de culminância de um projeto iniciado no início de 2005. Este foi o ano em que me voltei definitivamente para a literatura de cordel, e para a coleta e pesquisa do folclore brasileiro. Pensava em dar prosseguimento à carreira acadêmica e, para fugir da obviedade, não queria escrever sobre cordel. Desencantado com a academia, dei sequência às pesquisas, empreendendo, às minhas expensas, uma recolha que resultou numa amostra monumental. No balaio, vieram contos, cantos, romances, quadras, lendas, e anotações sobre superstições e costumes que, um dia, espero ter tempo e paciência para transformar em livro.

Os contos tradicionais, sem dúvida a parte mais importante da recolha, redundaram nos livros Contos folclóricos brasileiros (lançado em 2010 pela Paulus) e Contos e fábulas do Brasil (lançado no último sábado). O primeiro, ilustrado por Maurício Negro, foi selecionado para o catálogo da Feira de Bolonha, a mais importante do mundo em se tratando de literatura infantojuvenil. Já Contos e fábulas do Brasil (Nova Alexandria) tem um diferencial: não há uma faixa etária definida. As ilustrações são de Severino Ramos e, mais uma vez, as notas finais, incluindo a classificação de acordo com o sistema alfanumérico ATU, são do pesquisador português Paulo Correia.

O lançamento, num sábado frio e chuvoso, contou com um bom público, formado por amigos, escritores, jornalistas, pesquisadores, editores e parceiros da cena cordeliana paulista. As fotos abaixo ajudam a contar um pouco desta história.

Obrigado aos que foram, aos que quiseram ir e aos que irão aos próximos!

Autografando o exemplar do professor Francisco Degani

Confraria do Cordel: Frei Varneci, Flávio Martins, Gregório 
Nicoló e Moreira de Acopiara

Roda de histórias
Letícia e Daniel D'Andrea
Pausa para cuidar de Pedro Ivo (D. Pedrito)
O artista plástico Juan Balzi e a editora Rosa Zuccherato
Cacá Lopes, Guilherme Pereira, Severino Ramos e Mustafa Yazbek
Oh! Grandioso Fá!
Panorâmica do público rotativo que foi à Vila sábado
João Gomes de Sá conta a história do Corcunda e do Zambeta


Guilherme Pereira da Silva, uma das vozes da tradição,
 conta a história O Diabo e o Andarilho.
Letícia, do grupo Contar com Pimenta, narra duas 
histórias: O Galo Aconselhador e O Negociante.
Dedicatória ao grande pesquisador do cangaço, Antônio Amaury
Reencontrando a amiga Rosália Meireles
Severino Ramos, seu Guilherme e sua esposa D. Clarice
Sebastião Marinho, João Paulo e Cacá Lopes (ao fundo)
Conversando com a autora/ilustradora Nireuda Longobardi
Clique AQUI para saber mais detalhes sobre o livro.