A escassez de coletâneas de contos tradicionais no Brasil, em se tratando de um país com tradição oral de decantada opulência, é notória. Da iniciativa pioneira de Silvio Romero (1885), passando por Lindolfo Gomes, João da Silva Campos, Aluísio de Almeida, Luís da Câmara Cascudo, Waldemar Iglésias Fernandes, Oswaldo Elias Xidieh, Theo Brandão, Doralice Alcoforado, Altimar Pimentel, Edil Costa etc., a impressão que fica é que muito se perdeu nos desvãos do tempo e da incompreensão. Daí a minha felicidade quando recebo a boa notícia de que há uma nova publicação reunindo contos colhidos diretamente da fonte da memória. Foi o que aconteceu há cerca de um mês, quando recebi, postado por meu amigo Nabupolasar Feitosa, o livro Minhas Histórias de Trancoso (Expressão Gráfica e Editora, 2017), de autoria de sua mãe, Djanira Feitosa.
Maria Djanira Alves Feitosa nasceu no povoado Flamengo, município de Saboeiro (CE), no dia 28 de junho de 1937. Seu pai, Antonio Alves Feitosa, era mascate, e sua mãe, Estelita Gonçalves, dona de casa. Djanira ouviu a maior parte das histórias de Trancoso reunidas no livro da boca de sua irmã Maristela, que era muito peralta. Uma das peraltices da menina foi roubar um pedaço de fumo do rolo que o pai guardava num quarto, sobre um fiteiro, para espantar as traças que fatalmente cortariam os tecidos. Djanira, pequititita, cúmplice, quase incendiou o quarto quando, assustada, se distraiu e não viu que o fogo da lamparina havia migrado para uma toalha de rosto presa a um arame. Maristela evitou a tragédia, deu fim na prova do “crime” e comprou o silêncio da irmã com as histórias memoráveis que, mais de 70 anos depois, Djanira reuniria em livro.
Destacam-se os contos maravilhosos, jocosos, de animais e novelescos, principalmente. Alguns são belíssimos, a exemplo de O Verdelim (ATU 432, The prince as a Bird), cujo título espantosamente remete a Verdeprato, do Pentamerone de Giambattista Basile (1634-36). Outro conto que dialoga com uma narrativa clássica é a História da Mulher Bonita e o Sofrimento de Ritinha (ATU 709), versão muito próxima de Branca de Neve, dos Irmãos Grimm. O Reino da Água Azul, com o motivo do morto agradecido (ATU 505), e a história do rei cego e dos três filhos que saem à busca da cura, traz reminiscências do livro bíblico deuterocanônico de Tobias (século II a.C.). Os contos novelescos mais importantes são Coco Verde e Melancia (ATU 885A, Woman Feigns Death), conhecido em todo o Nordeste graças à versão em cordel do mestre José Camelo de Melo Resende, e Os Três Conselhos (ATU910B, The Observance of the Master’s Precepts). No meu livro Contos e Fábulas do Brasil (Nova Alexandria, 2011), recolhi e anotei as duas versões, com os indispensáveis confrontos com fontes literárias e tradicionais. Abre-te, Pedra Gloriosa! (ATU) 954, The Forty Thieves), nem é preciso dizer, é uma versão de Ali-Babá e os Quarenta Ladrões, das Mil e Uma Noites.
Com o mesmo entusiasmo com que fui a campo diversas vezes, ou com a alegria indescritível de ouvir pela centésima vez a mesma história narrada por minha avó Luzia, nos verdes anos da existência, saúdo esta nova publicação que merece o abraço afetuoso de quem se dedica ao ofício de contar ou à faina de estudar as velhas histórias.
Olá poderia dizer onde encontro este livro para comprar?
ResponderExcluirIsa, este livro é vendido pela família da autora. Favor enviar um e-mail para marcohaurelio@gmail.com, que lhe passarei os contatos.
ResponderExcluirIsa, bom dia. Você pode entrar em contato comigo pelo nabupolasar@bol.com.br que a gente combina sobre o livro.
ResponderExcluirBeleza. Adoraria comprar esse livro. O que devo faxer?
ResponderExcluirAbraço.
Boa tarde! Entre em contato pelo e-mail nabupolasar@bol.com.br e fale com Nabupolar, filho da autora.
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