Encantou-se José Marques de Souza
(seu Zé Cabeça), o genial contador de histórias de Serra do Ramalho. Havia
tempos estava doente e já não se lembrava dos contos que nos narrou, com voz
pausada, quase sussurrada, e gestos altamente expressivos. Alguns foram
publicados no livro Vozes da Tradição
(O Príncipe Dourado, Os Dois Corcundas, O Bicho de Sete Cabeças, Atirei
no que Vi e Matei o que Não Vi, As
Cento Cinquenta Mentiras) e outros seguem inéditos, incluindo um conto
lindíssimo, que funde a história da Filha
do Diabo à da Moura Torta.
Seu Zé, que era o homem mais velho de Serra do Ramalho, estava com 111 anos.
Nosso mais profundo
reconhecimento e nosso preito de gratidão a esse mestre da arte de encantar.
Encantou-se José Marques de Souza
(seu Zezim Cabeça), o genial contador de histórias de Serra do Ramalho. Havia
tempos estava doente e já não se lembrava dos contos que nos narrou, com voz
pausada, quase sussurrada, e gestos altamente expressivos. Alguns foram
publicados no livro Vozes da Tradição
(O Príncipe Dourado, Os Dois Corcundas, O Bicho de Sete Cabeças, Atirei
no que Vi e Matei o que Não Vi, As
Cento Cinquenta Mentiras) e outros seguem inéditos, incluindo um conto
lindíssimo, que funde a história da Filha
do Diabo à da Moura Torta.
Nosso mais profundo
reconhecimento e nosso preito de gratidão a esse mestre da arte de encantar.
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Ilustração: Luciano Tasso |
Abaixo, em homenagem a seu Zé, reproduzimos sua versão do conto "Atirei no que vi e matei o que
não vi":
Um rapaz vivia com a avó, que o
criou como filho. O tempo passou e, quando chegou a hora de ele sair para o
mundo, a avó não queria deixá-lo ir; mas tanto ele insistiu, decidido que
estava, que ela disse preferir vê-lo morto a vê-lo partir. No dia da viagem, a
velha lhe preparou um beiju e outras coisas para ele levar.
Ele pegou o caminho acompanhado
de sua cachorrinha Pita. Depois de muito andar, sentiu fome e parou para comer.
O rapaz tinha a ciência de, antes de comer, dar um pedacinho para a sua
cachorrinha. Então, pegou um dos alimentos e deu para Pita. Ela comeu e não
teve nada. Ele também se serviu.
Andaram mais um bocado e, quando
sentiu fome novamente, o rapaz parou e deu um pedaço do beiju para Pita e a
pobre cachorrinha, assim que deu duas mastigadas, caiu dura. O rapaz entendeu
que o beiju tinha sido preparado para matá-lo e o guardou. Pegou a cachorrinha
nos braços e seguiu viagem.
Mais à frente, encontrou um
policial com seu destacamento. O rapaz foi interrogado pelo policial sobre o
que levava para comer, pois ele e seus companheiros estavam famintos. O moço
disse que levava apenas sua cachorrinha moqueada e um beiju. Então, o policial,
bruto que só um cavalo, exigiu logo que lhe entregasse tudo:
— Passa pra cá, pois já nos
serve!
Daí a pouco, os sete policiais
jaziam estirados. O moço olhou as armas, escolheu a que mais lhe agradou e
seguiu viagem.
Adiante, encontrou uma codorna,
que logo voou. Ele mirou e atirou, mas, em vez da codorna, acertou uma zabelê. Pegou
a zabelê e tratou. Perto tinha um cruzeiro. Com o facão tirou uma lasca de
aroeira da cruz, fez dela um espeto, assou a zabelê e comeu.
Depois de muito andar, encontrou
um cavalo que estava pastando. Jogou uma coberta no lombo do animal, montou e ganhou
o mundo. O cavalo estava tão cansado que o suor corria pelas canelas. Então,
ele desapeou, pegou a coberta, torceu, aparou o suor e, para não morrer de
sede, bebeu tudo.
A longa viagem o conduziu a um
reino, onde soube que a princesa procurava um noivo. O sujeito teria de propor
uma charada e, caso ela não soubesse a resposta, seria sua esposa. Mas, até
aquele dia, a princesa havia acertado todas as charadas. O rapaz se apresentou
e lhe propôs a seguinte adivinha:
— Olha só
como é a vida!
Massa matou
Pita,
Pita matou
sete,
eu escolhi a
melhor,
atirei no que
vi,
matei o que
não vi,
assei no pau
santo
e depois
comi.
Bebi água
serenada,
nem do céu e
nem da terra...
A princesa esquentou a cabeça,
mas nem chegou perto da resposta. Acabou casando com o esperto rapaz e foram
viver felizes.
[Vozes da Tradição, IMEPH, p. 112-113]
[Vozes da Tradição, IMEPH, p. 112-113]
Essa foi a versão mais perecida com a que a minha mãe contava (ela ouviu do meu avô). Não me lembro muito mais da história, mas na versão da minha mãe dizia assim: com a massa matei a Pita, com a Pita matei os sete, escolhi a melhor, peguei o pior, com palavra santa, assei a lebre e comi, (tem uma parte que esqueci) escavei o chão e achei o melhor. Nessa versão, a Princesa era muda e quando ele cavou o chão, achou um pente de ouro que era da princesa, quando ele fala a charada e tira do bolso o pente, a princesa o reconhece e fala que o pente é dela, o pai havia prometido que aquele que fizesse a princesa falar, se casaria com ela. Muito legal! Grata por partilhar esse conto!
ResponderExcluirEu ouvia do meu avô assim: "da massa matei pita, de pita matei sete, atirei no que vi, matei o que não vi, lasquei o pau de Santo, assei e comi. Bebi água entre o céu e a terra e vi um morto carregando três vivos"
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