Hoje, apogeu do Solstício de Inverno, perdemos Jacinto Farias
Guedes, o Jacintinho, o exuberante contador de histórias que conheci em minha
infância. Conheci é modo de falar, ou de escrever, já que ele, Jacinto, filho
de Gustavo e de Ana, cunhado e primo de tia Lili e, por tabela de meu pai,
Valdi, sobrinho de meu bisavô Ramiro, era da nossa família.
Foi ele o narrador das histórias maravilhosas “José e Maria”,
“A Serpente Negra”, “O Calanguinho Infante”, “Maria Borralheira” e outras
tantas que registrei, entre 2004 e 2005, munido de um caderninho, um gravador e
de muita esperança, já que não tinha a mínima ideia de como fazer para
transformar em livro o rico material que reunira até ali.
Sua casinha de adobe, rodeada de quiabento, árvore espinhenta
muito usada como cerca viva nos rincões do Nordeste, era o cenário perfeito
para um narrador como Jacinto. Franzino, tímido, medindo pouco mais de um metro
e meio, mãos calosas da lida na roça, celibatário por opção, devoto do Bom
Jesus Senhor dos Passos, transfigurava-se quando começava a narrar as histórias
“daquele tempo”. Quando fui à sua casa no Brejinho, depois de percorrer a pé
mais de seis quilômetros, acompanhado de minha prima Fernanda, ele estava
debulhando uma grande quantidade de feijão catador. Ao mesmo tempo, debulhava
as histórias, exumando palavras banidas da boca da gente moderna, como
“estrafega”, “esparrachou” e “orear”. E nos transportava a lugares encantados,
como a cidade do "Rio de Barbela" onde a heroína Flor do Dia, montada
na cacunda do vento, foi encontrar o seu amado.
Revi-o semanas depois da recolha, na estrada que leva ao
cemitério da Ponta da Serra, durante a Via-Sacra que meu bisavô instituíra
décadas atrás. Trajava uma camisa branca, passada a ferro em brasa e engomada e
estava com o inseparável chapéu. “Olha, Marco”, disse-me, esquecendo-se da
timidez, “passa lá em casa depois pra eu lhe contar a história da Maria
Sabidinha”. Reencontrei-o outras vezes, quando estava na Bahia, na feira de
Igaporã e na casa de minha prima Lúcia, sua sobrinha e mãe de Fernanda. Embora
tenha resumido a história de “Maria Sabida, doce na morte, amarga em vida”, não
contou-a na íntegra, como desejava.
Que o Senhor dos Passos possa guiá-lo no mundo espiritual,
Jacintinho! E, quem sabe um dia, você me conte “Maria Sabidinha” com todos os
detalhes que sua mestria alcançava.
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