domingo, 4 de março de 2018

100 ANOS COM LEANDRO



Leandro em linoleogravura de Jô Oliveira
Há exatos cem anos, num 4 de março como este, morria no Recife, Leandro Gomes de Barros, o mestre maior da literatura de cordel brasileira. E o grande bardo saiu de cena cedo, aos 53 anos. Saiu de cena é modo de dizer, pois o paraibano Leandro, mesmo após a sua morte, continuou a ser o mais lido e reverenciado poeta popular do Brasil. Mais do que isso, forneceu temas para os cantadores da época, fossem eles cegos de feira ou repentistas de nomeada. Era o tempo em que os baiões eram fechados com os romances de Leandro e de contemporâneos seus, como Silvino Pirauá, José Galdino da Silva Duda (o Zé Duda do Zumbi), Francisco das Chagas Batista e João Melchíades, entre outros.

E eu tive a ventura de conhecê-lo ainda na infância. Aos sete anos já sabia de cabo a rabo, de fio a pavio, a História de Juvenal e o Dragão. Sei-a até hoje e, em 2015, quando por ocasião da celebração dos 150 anos de nascimento do grande poeta, estive em Pombal a convite da professora Ione Severo, juntamente com outros poetas e pesquisadores, declamei mais da metade do poema sobre as ruínas da casa de Leandro, no sitio Melancia, hoje município de Paulista (PB). Minha avó Luzia Josefina batizou de Provedor um de seus cachorros. Provedor, Ventania e Rompe-Ferro eram os cães encantados, auxiliares mágicos do herói Juvenal. Mas sua presença em minha vida deu-se pela leitura de outras obras, como a Peleja de Manoel Riachão com o Diabo, a História da Donzela Teodora, O Cachorro dos Mortos, Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, Os Sofrimentos de Alzira, Cancão de Fogo e, principalmente, A Força do Amor. Perdi a conta de quantas vezes li e reli a desventurada história de Alonso e Marina. De quantas lágrimas verti em vários momentos deste que considero o maior monumento da poesia bárdica do Nordeste. Se Alfred Tennyson chamou Victor Hugo de “senhor das lágrimas humanas”, no cordel este título cabe a Leandro.

Depois vieram O Cavalo que Defecava Dinheiro e O Testamento do Cachorro (O Dinheiro), de que Ariano Suassuna se serviu para compor a parte farsesca do Auto da Compadecida; a História de João da Cruz, o mais belo romance em versos sobre o motivo do julgamento celeste, um legado do Antigo Egito que prevaleceu vivo em nosso imaginário; e a História do Boi Misterioso, poema síntese, que parte dos romances em versos, espargidos desde o século XVIII, filho legítimo da civilização do couro de que falava Capistrano de Abreu. Pois bem, neste dia 4 de março, eu, ingênuo, esperava encontrar na Internet muitas referências sobre o Gil Vicente brasileiro, poeta-síntese, poeta-ponte, poeta desbravador, razão de ser e de existir da literatura de cordel. Mas, não. Nem o tal jornalismo cultural, que não chamarei de piada, pois piada também é coisa séria, se deu conta da data. Não tem problema. Sem precisar dessa gente, o grosso da obra de Leandro vem sendo reimpresso há mais de 120 anos. Leandro Gomes de Barros vive em nós. E isso basta.

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